Volta às aulas desperta memórias antigas de adultos dos tempos da escola: ‘bateu até saudades’
Material escolar, amigos e lendas levam os adultos de volta aos primeiros anos em sala de aula
Foto-Acervo pessoal

Os recreios com os amigos, as canetas de 4 cores e o medo da “loira do banheiro”. Quem lembra das vivências na época da escola? Suyanne Nogueira, de 41 anos, resgata essas memórias em meio à rotina de estudos das filhas. “Aqui a gente é sempre muito animado com a volta às aulas, embora seja bem cansativo”, resume.
Essa fadiga vem após a volta do despertador para antes das 6h, os banhos, os lanches e a organização das mochilas – além da agitação típica das crianças – comum em tantos lares cearenses. Por aí também?
No cotidiano de levar às filhas para as aulas, Suyanne se depara diariamente com a estrutura e com as pessoas que remetem ao tempo em que ela era estudante.

“A mais velha estuda na mesma escola que eu e o pai dela estudamos por muito tempo e onde funcionários e até a diretora é a mesma. Isso passa uma confiança por conhecermos as pessoas de lá há muito tempo”, conclui.
Todo o esforço acontece para proporcionar a melhor educação para Isabella, no 7º ano, e Ísis, no infantil 4. “Para a gente o básico era a caneta de 4 cores, agora é o ‘caderno inteligente’. Na minha época não tinha isso, são muitas coisas atrativas e a gente acaba se envolvendo”, reflete.
Eu sempre gostei dessa parte de montar o material, é um novo começo, e na minha época eu não tinha as condições que elas têm hoje. Eu sempre deixo elas sabendo que a gente quer dar o melhor
SUYANNE NOGUEIRA
Professora
Suyanne ainda mantém na mente a companhia dos pais até à escola em que estudou até a pré-adolescência.
“Eu estudava à tarde com minha irmã e minha prima e a escola era tão legal que não queríamos ir embora. A gente ficava doida que terminasse a aula para ir ver se tinha a loira do banheiro”, lembra sobre a lenda urbana recorrente entre os pequenos.
Os primeiros passos independentes também estão vivos nas lembranças. “Eu comecei a ir para a escola só porque era menos violento, quando eu tinha 13 anos, mas hoje eu não tenho essa coragem com as minhas filhas”, pondera.
Esse momento intenso de descobertas também desponta entre as experiências boas de resgatar. “Quando eu passei para o ensino médio, era uma escola que tinha muito envolvimento de grêmio, de feiras culturais em que eu me envolvia. Era uma fase muito boa”, atesta Suyanne.
LIÇÕES DE VIDA
Entre aulas de português e matemática também surgem lições para a vida, como reflete Elzinha de Clermont, de 62 anos, que estudou na Escola Normal Alencar Araripe, em Tauá, no Sertão dos Inhamuns ou “a melhor da cidade”.
“Eu acordava antes da 5h, estudava um pouco antes de ir pra aula, tomava café da manhã e ia caminhando. Tínhamos aulas de artes, gramática, jogos, música, apresentações teatrais. Era uma escola muito completa”, acrescenta.
Lá a professora de Francês inspirou a escrita de um romance e a de Artes, a Helena “de estatura média, mas uma inteligência imensa”, ensinou outra forma de ver a vida. Nessa época, foi quando ouviu uma frase ainda forte na mente: “o amor liberta e constrói, o egoísmo escraviza e destrói”.

Foi nessa perspectiva que Elzinha se tornou professora e psicopedagoga com um acolhimento especial aos estudantes. “Essas frases me marcaram muito e quando eu dava aula mencionava isso, inspirada nessa escola que eu estudei”, lembra.
As amizades do tempo da escola surgiram, principalmente, entre a 5ª e a 8ª série, feitas com as mesmas pessoas. Depois da aula, tinham as práticas de pingue-pongue e vôlei, por exemplo. À noite, as meninas e os meninos ainda se viam na praça ou no clube da cidade.
O contato com os colegas era maravilhoso, como passamos muito tempo juntos, cresceu uma amizade significativa. Temos um grupo que, de vez em quando, se encontra num restaurante aqui em Fortaleza. É uma festa, porque a gente vai relembrar esses momentos
ELZINHA DE CLERMONT
Professora
Elzinha volta a frequentar a escola tauaense por meio do hábito da leitura e escrita que permanecem no cotidiano. “Eu falo dessa época com muita alegria, a gente teve um desenvolvimento cultural muito bom. Eu estudava em casa, era mais voltada para as artes e me emocionava com os livros didáticos”.
HÁBITOS PECULIARES
Quem também passou de estudante para professora e guarda as memórias de si e das turmas é Edvany Muccini, de 63 anos, moradora do Cedro, no Centro-Sul. Ela aprendeu a ler com aulas particulares, porque as crianças entravam na escola pública já alfabetizadas.
“O material escolar era bem diferente de hoje, porque a gente tinha o livro, um caderno e um lápis com borracha. Era o que a gente tinha na escola”, recorda sobre o período que nem mesmo a merenda escolar estava disponível.
As aulas aconteciam num contexto saudável no qual quem sabia mais de matemática ensinava aquelas com dificuldade, como exemplifica. “Era um ambiente bom, que dá saudade. Quem soubesse mais e explicava para o que sabia menos, ajudava o professor”.

Alguns costumes daquele tempo marcaram Edvany. Um domingo por mês, voltava à escola para sair em fila para assistir a missa, religiosamente, às 8h. Em outros momentos, os estudantes iam acompanhar velórios.
“Se morria alguém, chamavam a sala de alunos maiores para levar a coroa de flores do caixão e tínhamos de acompanhar o velório até o cemitério. Quando vou num enterro, fico lembrando daquela época”, completa a professora.
Edvany voltou para dar aulas nas escolas particular e pública em que esteve sentada nas carteiras como estudante anos antes. Ela também se dedicou à dar aulas de reforço e preparação para quem ia estudar na capital cearense.

Os anos com giz de cera ao lado dos alunos a quem chama de “meus meninos” resultaram em profissionais de destaque no Município e no Estado. “Eu fiz o meu dever. Tem dentista na cidade que, se eu preciso, me atende na hora que eu ligar porque é a ‘tia Edvany’. É uma relação de respeito e carinho”, conclui.

PRIMEIRO DIA DE AULA
Fosse outro local e época, um dos “meninos” da tia Edvany poderia ser o João Arthur, de 1 ano e 10 meses. Com cabelo penteado, roupa engomada, mochilinha nas costas, a cena marcante do primeiro dia de aula, muitas vezes guardada nos álbuns de famílias, aconteceu na última semana para o pequeno.

“Foi um processo difícil por ele ser pequeno e acostumado somente com minha presença, e por eu ter sido muito julgada também por conta da idade dele”, desabafa a mãe Karla Menezes, de 20 anos, que acompanhou o pequeno no período de adaptação.
“Esse processo me fez pensar na época que estudava, bateu até saudades”, compartilha Karla. Uma nostalgia que coleciona momentos. “Tenho várias lembranças indo pra escola com meu pai ou minha mãe, eles me deixando na salinha com a professora, e eu começava a chorar. Pensei que também aconteceria comigo e com meu filho”.
Os cuidados com o pequeno, de certa maneira, refletem a dedicação que Karla recebeu na infância e que permanece vívida na mente.

“Naquela época era difícil para meus pais, eles não tinham muitas condições, mas sempre fizeram de tudo para minha educação e aprendizagem. Meu pai ia me deixar de bicicleta, sendo um dia de chuva ou sol”, completa.
O esforço dos pais também resultou numa das lembranças mais afetuosas do período escolar. “No meu 9º, a escola ofereceu uma viagem para Salvador, na Bahia, e minha mãe fez questão de pagar pra eu ir com minhas amigas da época”, conta.

Tive a sorte de ter professores maravilhosos e fazer amizades que levo para vida. Foi uma época gostosa de se viver, e creio que vou fazer de tudo pra meu filho aproveitar e viver isso do melhor jeito
KARLA MENEZES
Dona de casa